domingo, 2 de setembro de 2007

Murmúrio - Cecília Meirelles

Traze-me um pouco das sombras serenas que as nuvens transportam por cima do dia!
Um pouco de sombra, apenas,
- vê que nem te peço alegria.
Traze-me um pouco a alvura dos luares
que a noite sustenta no teu coração!
A alvura, apenas, dos ares:
- vê que nem te peço ilusão.
Traze-me um pouco da tua lembrança, aroma perdido, saudade da flor! -
Vê que nem te digo - esperança! -
E que nem sequer sonho - amor!
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O Saber e o Sentir


Já não pulamos mais no pescoço de quem amamos
e tascamos-lhe aquele beijo estalado ...
E assim, vamos ganhando tempo,
enquanto envelhecemos.
Nos damos conta que perdemos
também o brilho no olhar,
esquecemos os nossos sonhos,
deixamos de sorrir ...
perdemos a esperança.
Que sejamos racionais, mas lutemos por nossos sonhos ...
E, principalmente, que não digamos apenas ,
mas ajamos de modo que aqueles a quem amamos,
sintam-se amados mais do que saibam-se amados.

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Sumi - Martha Medeiros


“Sumi porque só faço besteira em sua presença, fico mudo
quando deveria verbalizar, digo um absurdo atrás do outro quando
melhor seria silenciar, faço brincadeiras de mau gosto e sofro
antes, durante e depois de te encontrar.
Sumi porque não há futuro e isso não é o mais difícil de
lidar, pior é não ter presente e o passado ser mais fluido que o ar.
Sumi porque não há o que se possa resgatar, meu sumiço é
covarde mas atento, meio fajuto meio autêntico, sumi porque
sumir é um jogo de paciência, ausentar-se é risco e sapiência,
pareço desinteressado, mas sumi para estar para sempre do seu
lado, a saudade fará mais por nós dois que nosso amor e sua
desajeitada e irrefletida permanência.”

De cara lavada Martha Medeiros


De cara lavada Martha Medeiros

hoje me desfiz dos meus bens
vendi o sofá cujo tecido desenhei
e a mesa de jantar onde fizemos planos

o quadro que fica atrás do bar
rifei junto com algumas quinquilharias
da época em que nos juntamos

a tevê e o aparelho de som
foram adquiridos pela vizinha
testemunha do quanto erramos

a cama doei para um asilo
sem olhar pra trás e lembrar
do que ali inventamos

aquele cinzeiro de cobre
foi de brinde com os cristais
e as plantas que não regamos

coube tudo num caminhão de mudança
até a dor que não soubemos curar
mas que um dia vamos