segunda-feira, 16 de dezembro de 2019

A vida e as estações

A VIDA E AS ESTAÇÕES
Eu queria que a vida fosse dividida em quatro estágios, mas que não acabasse nunca
A infância é como a primavera. É pura novidade e um calor que não sufoca nem faz pensar bobagens. Tem uma inocência quase cafona, uma singeleza clássica, e traz no íntimo a certeza de que pela frente vem coisa boa. A gente quer que passe logo, mas sabe que nunca mais será tão protegido, a mordomia não será eterna. É quando as coisas acontecem pela primeira vez, é quando num arbusto verde vemos surgir alguns vermelhos, é surpresa, a primeira de uma série.A adolescência é como o verão. Quente, petulante, libidinosa.
Parece que não vai haver tempo para fazer tudo o que se quer e o que se teme. É musical e fotogênica. Dúvidas, dúvidas, dúvidas em frente ao mar. Mergulha-se no profundo e no raso. Pouca roupa, pouca bagagem. Curiosidade. Vontade que dure para sempre, certeza de que passa.
Noção do corpo. Festas e religião. Amor e fé.A maturidade é como o outono. Um longo e instável outono,que alterna dias quentes e frios, que nos emociona e nos gripa. Há mais beleza e o ar é mais seco, porém é quando se colhem os melhores abraços. Ficar sozinho passa a não ser tão aterrorizante. Fugimos para a praia, fugimos para a serra, as idéias aprendem a se movimentar, a fazer a mala rápido, a trocar de rota se o desejo se impuser, e não é preciso consultar o pai e a mãe antes de errar.É o outono que tentamos conservar.
O inverno é como a velhice. Tem sua beleza igualmente, exige lã, bolsa de água quente, termômetro e uma janela bem vedada. O que não queremos que entre? Maus presságios. O inverno é frio como despedida de um grande amor, mas sabemos que tudo voltará a ser ameno. Queremos que passe, temos medo que termine. Ficar sozinho volta a ser aterrorizante. O inverno é branco, é cinza, é prata.É grisalho. E, de repente, também passa.
Eu queria que tudo fosse verdade, que a vida fosse assim dividida em quatro estágios que mais parecem estações do ano, mas que não acabasse, que depois do inverno viesse outra primavera, e outro verão, e outro outono, que nunca são iguais, mas sempre se repetem, sempre voltam, são tão certos quanto o sol e a lua, todo dia, toda noite. Eu queria.
Martha Medeiros


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O corpo fala

O corpo fala!
Engole o choro. Engole sapo. Cala a boca. Cala o peito.
Mas o corpo fala, e como fala. Fala a ponta dos dedos batendo na mesa.
Falam os pés inquietos na cama. Fala a dor de cabeça. Fala a gastrite, o refluxo, a ansiedade. Fala o nó na garganta atravessado.
Fala a angústia, fala a ruga na testa. Fala a insônia, o sono demasiado.
... Você se cala, mas o falatório interno começa .
... As pessoas adoecem porque cultivam e guardam as coisas não digeridas dentro de seus corações....
Expressar tranquiliza a dor. Dor não é pra sentir pra sempre. Dor é vírgula.
Então faz uma carta, um poema, um livro. Canta uma música. Pega as sapatilhas, sapateia. Faz piada, faz texto, faz quadro, faz encontro com amigos.
Faz corrida no parque. Fala pro seu analista, fala para Deus, para o universo... se pinta de artista. Conversa sozinho, papeia com seu cachorro, solta um grito pro céu, mas não se cale. Pois “se você engolir tudo que sente, no final você se afoga” .
@yazemeenah
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